segunda-feira, setembro 28, 2009

Eu estava aqui na minha porta rodeada daquelas flores amarelas que caem aos pouquinhos, leves e delicadas, 21 gramas a menos (é?), reparando em como a primavera atropela o inverno com fome e pressa.
Estava de pé encostada no parapeito como sempre faço, com a camisola bem largada caindo pelo ombro daquele meu jeito, sabe? Por baixo um sutiã desses de dormir, confortável...
Me lembro de fazer força pra ouvir o barulho do trinco do portão, de seus pequenos e barulhentos pezinhos, seus passos tão seus no chão de nosso quintal.
A voz firme que gritava Ciça até que Ciça dissesse: "Sobe mãe".
Lá ia a mãe, mãozinhas na cintura, sem dificuldade pra subir as escadas como se aquele corrimão fosse parte do degrau redentor que a levaria ao perdão.
Mas não havia som hoje. Por mais que eu apertasse meus olhinhos, fizesse aquela concha em volta das orelhas, o som não voltou.
Era domingo, e diferente de todos os outros domingos, o mais estarrecedor era o silêncio.
E não era um silêncio vazio. Era um silêncio entupido de ausência até as bordas.
Não foi como eu imaginei. Não houve lágrimas. Só um profundo e cortante silêncio.
Depois de uma catatonia inicial, tive vontade de fazer todas as coisas sem sentido que eu conseguisse.
Então, como num ritual louco de sofrimento, subi correndo as escadas, atropelando meus passos. Entrei de supetão na sala, como se flagrasse alguma coisa. Roubei o telefone da mão do vento, tomei em minha mão, com uma esperança morando no mais torto de todos os dedos tortos da minha mão e a certeza sendo escondida pra trás das costas, guerreando com meu corpo, querendo sair de trás de mim e gritar na minha cara que já era já era já era não faz isso não faz isso não faz isso.
Eu fiz.
Tocou uma. Duas. três vezes.
Era óbvio que não havia mais o outro lado. Era óbvio. Tão óbvio. Deitei as costas no piso gelado. Fiz pirraça como não fazia a anos. Não aceitei. Praguejei. Briguei com o Deus que não sei se existe. Grunhi feito louca. Senti o coração querendo pular do corpo. Olhei em volta. Me perguntei quantas pessoas conseguiriam ver que hoje tenho um pedacinho a menos de mim. Deixei que o chão me engolisse aos poucos...Deixei o ar voltar a entrar nos pulmões. Não há nada a ser consertado. Fiquei ali, naquele ninho gelado que o chão fez em meu entorno pensando em quão fria e desconfortável a morte me parece.

E eu só penso em todo aquele carinho meu Deus, aquelas coisinhas pouquinhas, com cheirinho de cuidado, os papéis pequeninos escondidos debaixo da vontade dos anjos de que fôssemos todos o mais felizes possível e que a válvula mitr....Maldita seja.
Hoje eu acordei num sobressalto.
Achei que talvez não fosse mais acordar, ando com uma sensação estranha.
Um eterno nó, apertado aqui na minha garganta, que parou de transbordar dos meus olhos há alguns dias e se transformou em uma massa negra, que não consigo tirar de dentro de mim.
Sempre me prometo que não vou deixar de escrever.
Que as pausas entre uma história e outra serão menores.
Minto descaradamente.

Tenho vivido e morado em mim. Me mudei a pouco.
Fazia tempo desde a última vez e eu já havia me esquecido de como era sombrio e frio aqui dentro.
Meu único socorro é visto através da ansiedade que mora no dedão do meu pé direito. Teima em sacudir, levando todo meu corpo nesse ritmo nervoso, quase coreografado de uma dança assustadoramente irracional.